Histórico da concepção de deficiência
Ao analisar criticamente o fluxo histórico-social ocidental moderno, percebe-se que as pessoas com deficiência foram subjugadas a condições sub-humanas, numa perspectiva culpabilizante, patologizante, segregadora e estritamente biomédica. Por tratar-se de uma perspectiva grandemente influenciada pelo capitalismo, pessoas com deficiência eram consideradas improdutivas e, por conseguinte, colocadas na posição de não sujeitos de direito.
Tais estigmas não são exclusivos da contemporaneidade, pois na Grécia Antiga, desde o seu nascimento, as pessoas com deficiências já estavam fadadas à morte – a impossibilidade de fazer parte de batalhões de guerra tinha grande influência nisso; na Idade Média, o culto à “perfeição divina” foi instaurado e, por conseguinte, os “imperfeitos” eram condenados ao isolamento e ao escárnio, muitas vezes sendo ridicularizados publicamente. A partir da Idade Moderna, diversos direitos das pessoas com deficiência foram conquistados, mas elas ainda viviam à margem da sociedade, de modo a sobreviver por meio de esmolas, furtos e, principalmente, da caridade/filantropia.
Com o avanço das Ciências da Saúde, a partir do XIX, o paradigma supracitado foi problematizado e deu-se lugar a uma concepção normatizadora, na qual as práticas visavam tornar a pessoa com deficiência o mais “normal” possível para os mecanismos de produção de bens e para viver em sociedade. Entretanto, esse modelo também mostrou-se ineficaz devido a dessubjetivação e a exclusão de direitos. A partir da mobilização da sociedade e de movimentos sociais, atualmente – em tese – a pessoa com deficiência passou a ser interpretada num contexto biopsicossocial, de maneira não-capacitista, visando a busca de sua autonomia e a elucidação de seus direitos individuais enquanto sujeito.
Luta pelos direitos fundamentais
Mesmo com avanços institucionais no que se refere aos direitos das pessoas com deficiência, estas ainda vivenciam recorrentes violações de direitos, preconceitos e violências simbólicas e físicas, muitas vezes institucionalizadas. A Psicologia enquanto Ciência teórico-prática da Saúde também possui uma dívida histórica com as pessoas com deficiência e, para realizar essa reparação, profissionais psi têm papel fundamental nesse processo.
A prática de profissionais psicólogas(os) deve contribuir para o rompimento de processos estigmatizantes e patologizantes, de modo atuar para que a autonomia e a dignidade da pessoa com deficiência sejam exacerbadas, valorizando as suas potencialidades e lutando pelos seus direitos. Por exemplo de ações práticas, pode-se citar: o atendimento individual humanizado, seguindo os preceitos éticos da Psicologia em âmbito nacional; a proposta de políticas públicas adequadas às necessidades dessas pessoas; a atividade em Organizações da Sociedade Civil (OSCs) e movimentos sociais em prol das pessoas com deficiência; o combate ao preconceito individual e ao capacitismo institucional no contexto acadêmico, familiar, profissional etc. A partir de tais ações, é possível contribuir de maneira a valorizar o protagonismo da pessoa com deficiência, tornando-se uma parte fundamental nesse processo.
Combate à institucionalização da pessoa com deficiência
Em seus estudos a partir do século XVIII, Foucault percebeu que as instituições totais eram permeadas de relações de poder e, por meio de um regime sináptico de poder no corpo social, os institucionalizados eram constantemente vigiados e punidos. Em tais instituições, o seu caráter totalitário se dava pois tais residências eram locais de trabalho, lazer, atividade terapêutica, educação etc. Ou seja, todas as atividades realizadas pelo institucionalizado eram feitas na própria instituição. Desde os estudos de Foucault, tais instituições foram questionadas e o movimento antimanicomial ganhou força em âmbito internacional e nacional.
Atualmente, pouco se sabe sobre o caráter de instituição vivido por pessoas em vulnerabilidade social no macro-contexto institucional nacional, mas algo que se aproxima das instituições citadas por Foucault é a “instituição asilar”. Por exemplo de instituições asilares, pode-se citar o hospital psiquiátrico, o hospital de retaguarda e lares para excepcionais. O que configura uma instituição asilar também é o seu caráter de internação de longa permanência, uma rotina fortemente estabelecida, práticas inflexíveis e o atendimento a um grande número de pessoas.
De médio a longo prazo, a institucionalização pode gerar consequências individuais extremamente aversivas às pessoas com ou sem deficiência e, por exemplo de consequências, pode-se citar: ausência ou empobrecimento de trocas sociais; alta medicalização; doenças físicas e transtornos psicológicos como resultado da rotina institucional; falta de autonomia; exclusão da sua humanidade e subjetividade; entre outras. Sabendo disso, a prática profissional da(o) profissional de Psicologia deve combater discriminações e a falta de direitos básicos, de maneira a pautar-se na Declaração Universal dos Direitos Humanos e no Código de Ética Profissional.
A decisão de internamento (ou não-internamento) da pessoa com deficiência é um processo difícil para qualquer família. Neste ínterim, o papel da(o) psicóloga(o) – em conjunto com profissionais da Assistência Social – é o de problematizar as razões da possível institucionalização, de modo a atender às necessidades das famílias, para que seja possível prevenir o asilamento da pessoa com deficiência e evitar as consequências aversivas supra mencionadas.
Uma alternativa às instituições asilares, é a Residência Inclusiva, que segundo Antonio Carlos Munhoz, pode ser definida como um serviço de acolhimento que oferece moradia e apoio ao desenvolvimento pessoal a grupos de jovens, adultos e idosos com deficiência, cuja situação de vulnerabilidade e risco pessoal e social inerentes à deficiência esteja agravada, cujos vínculos familiares estejam rompidos ou extremamente fragilizados, ou ainda, em processo de desligamento de instituição asilar, que não tenham possibilidade de retorno à família de origem, e apresentem condições insuficientes de autossustentação e/ou autogestão.
O funcionamento das Residências Inclusivas deve propiciar a construção de emancipação pessoal e social, o fortalecimento dos vínculos na comunidade onde está inserida e possibilitar o desenvolvimento de autogestão, autossustentação e autonomia dos moradores. O desenvolvimento do maior nível de autonomia e independência deve respeitar as possibilidades de cada morador, bem como seu potencial de inserção e participação social
Considerações finais
Conclui-se que, desde os primeiros registros históricos da civilização humana, há indícios de que as pessoas com deficiência foram colocadas em papéis sub-humanos, de modo a revogar a sua subjetividade. A partir do Iluminismo, houve uma série de avanços no que se refere ao respeito à pessoa com deficiência e, na contemporaneidade, a análise de sujeito a partir da ótica biopsicossocial entrou em vigência. Todavia, ainda há a necessidade de uma série de avanços e reparações históricas e o profissional de psicologia tem um papel fundamental nisso. As suas ações profissionais devem ser pautadas nos preceitos éticos e normativas dos Conselhos Regionais e Conselho Federal de Psicologia. Isto é, a prática deve ser pautada no respeito às diversidades, na garantia de direitos, no não-capacitismo e na busca por uma sociedade mais justa. Tais preceitos são antagônicos às práticas das instituições totais, que geram consequências aversivas aos sujeitos institucionalizados. Por fim, cabe aos profissionais da saúde – em especial, profissionais psi – a busca por alternativas às práticas patologizantes e culpabilizantes, que foram amplamente adotadas até o século XX.
Por: Felipe Jhony Zaranski Elias – Coordenador de Marketing e graduando em Psicologia
Fontes: